
Os 10 municípios mais populosos da Serra — Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha, Vacaria, Canela, Gramado, Garibaldi, Flores da Cunha, Carlos Barbosa e Nova Prata — têm 9.715 pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) mapeadas, o equivalente a 1,04% dos 931,5 mil habitantes dessas cidades. Os dados são do Censo 2022, realizado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para comparação, 20,2 mil moradores de Porto Alegre estão dentro do espectro — 1,5% da população. No país, são 2,4 milhões de pessoas com autismo, o que representa 1,2% dos habitantes no território nacional.
O Censo, que faz contagem geral da população e suas características para o desenvolvimento e aplicação de políticas públicas, levantou pela primeira vez o contingente de TEA.
Em Caxias do Sul foram mapeadas 5.430 pessoas com essa condição. Frente à população geral de 463,5 mil na maior cidade da Serra, o número representa 1,2%. Conforme o Censo, 3.005 são homens e, 2.426, mulheres.
O TEA
O transtorno do espectro autista se refere a alteração de funções do neurodesenvolvimento, e pode ser visualizado a partir de dois grupos de características: dificuldades de comunicação — que incidem em barreiras para a socialização — e rigidez cognitiva, que ocasiona em movimentos repetitivos e estereotipados.
A diretora-presidente do instituto UniTea, educadora e especialista em neurociências, Raquel Ely explica que normalmente a pessoa inserida no espectro possui de duas a cinco comorbidades, como transtornos de ansiedade, do sono, de bipolaridade ou de déficit de atenção; seletividade alimentar e depressão.
O conjunto de comportamentos apresentados aponta para um de três níveis de e, ou graus, da autonomia do indivíduo. A classificação é enumerada: 1 (leve), 2 (moderado) e 3 (severo).
Raquel chama a atenção para a complexidade do espectro e a singularidade de cada pessoa com TEA, que pode levar consigo diferentes tipos de comorbidades e, assim, necessitar de intervenções específicas:
— Dentro de um mesmo nível de e, pode haver muitas diferenças. Autismo não é doença, mas comorbidade é. Para as comorbidades, muitas vezes, é preciso o uso de fármacos. O autismo tem a intervenção comportamental. Quando tem um transtorno de ansiedade generalizado, é preciso fármacos, associado à intervenção comportamental: uma equipe de fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e psicólogos.

Diagnóstico, tratamento e evolução
Antes do início da chamada jornada de acompanhamento e do tratamento dos sintomas-alvo do autismo, uma etapa é crucial: o diagnóstico. Ele é decisivo porque impacta na autonomia futura do indivíduo e, quanto mais cedo emitido, melhor.
O ideal, de acordo com Raquel, é na primeira-infância, entre zero e cinco anos. Em Caxias, contudo, o diagnóstico de TEA pode levar até três anos, adverte a especialista.
A família de Marcos Antônio dos Santos Ribeiro de Lima, sete, recebeu a confirmação de transtorno do espectro autista, de grau 1, em 2023, quando o menino tinha seis anos. Mas a mãe, Deni dos Santos, 47, percebia sinais no filho ainda aos dois anos.
— Eu desconfiei porque ele não falava, não tinha uma comunicação, não dialogava. Então, comecei a levá-lo em neuropediatras. Num primeiro momento, não houve o diagnóstico — conta.

Mãe de terceira viagem — Marcos é o caçula, irmão de Pedro Henrique, 23, e Luiz Felipe, 19 —, ela ite que conhecia pouco sobre autismo, e que entrar nesse mundo foi (e continua sendo) um desafio.
Além da comunicação reduzida do filho, Deni relembra que Marcos não aguentava ficar mais de 10 minutos na escola. A situação a fez pedir férias do trabalho como operadora de ponte rolante por duas vezes, em pouco tempo, para poder cuidar do pequeno.
— Ano ado vivi um mundo que parecia não ter luz no fim do túnel. Muitas vezes chorei sozinha, estava até querendo parar de trabalhar — confidencia.
Foi nesse mesmo período que a família conseguiu ar o Centro de Autismo de Caxias do Sul — serviço com atendimento 100% via SUS, por meio de convênio entre a prefeitura e o Círculo Saúde.
São oferecidas terapias com profissionais de psicologia, psicopedagogia, fonoaudiologia, fisioterapia, psicomotricidade, neuropediatria, nutrologia e serviço social.
O foco são crianças com autismo na faixa etária de zero a oito anos. Além das dinâmicas envolvendo os pequenos, os pais e responsáveis am por orientação parental, com estudos sobre TEA, aceitação e caminhos para o desenvolvimento infantil saudável.
Deni vê, no cotidiano, a evolução do filho, beneficiado pelo tratamento há um ano:
— Ele está ficando até as 17h na escola, outros dias, até 16h10min. A aula começa 13h10min, e agora ele vai de van para a escola. Evoluiu demais. Houve um tempo que ele não se entretinha com nada, era só o telefone. Hoje, ele pega os brinquedos. Antes, quando acabava a bateria do celular, ele chorava muito, tinha crise.
Atualmente, o Centro de Autismo está com a capacidade preenchida (veja abaixo outras possibilidades de atendimento ao TEA). 92 famílias frequentam até duas sessões por semana, de 1h30min cada. Para atender à fila de espera, o acompanhamento tem limite de 18 meses.

"Autismo é uma questão de saúde pública"
Para Raquel, é preciso avançar para construção de uma rede sólida de atendimento ao autismo. Entre os pontos urgentes a serem aperfeiçoados, cita diagnóstico e intervenção precoces, além de inclusão escolar.
— A jornada do autista precisa ser pensada com com muita disciplina e seriedade, com muitas pessoas e profissionais envolvidos. O autismo é uma questão de saúde pública — define a diretora do UniTEa, que complementa:
— Aqui (Brasil) ainda estamos engatinhando para ver o número de autistas e depois implementarmos políticas públicas. É muito lento. Os dados do IBGE falam em 1,2% da população brasileira com autismo.
TEA nos 10 municípios mais populosos da Serra, segundo IBGE:
- Caxias do Sul, 463.501 habitantes: 5.430 pessoas com autismo (1,2%) — 3.005 homens e 2.426 mulheres;
- Bento Gonçalves, 123.121 habitantes: 959 pessoas com autismo (0,8%) — 497 homens e 462 mulheres;
- Farroupilha, 70.286 habitantes: 598 pessoas com autismo (0,9%) — 334 homens e 265 mulheres;
- Vacaria, 64.197 habitantes: 864 pessoas com autismo (1,3%) — 334 homens e 393 mulheres;
- Canela, 48.946 habitantes: 485 pessoas com autismo (1%) — 243 homens e 242 mulheres;
- Gramado, 40.134 habitantes: 279 pessoas com autismo (0,7%) — 156 homens e 123 mulheres;
- Garibaldi, 34.335 habitantes: 318 pessoas com autismo (0,9%) — 197 homens e 121 mulheres;
- Flores da Cunha, 30.892 habitantes: 315 pessoas com autismo (1%) — 188 homens e 127 mulheres;
- Carlos Barbosa, 30.420 habitantes: 307 pessoas com autismo (1%) — 164 homens e 143 mulheres;
- Nova Prata, 25.692 habitantes: 160 pessoas com autismo (0,6%) — 102 homens e 58 mulheres.
Outros recortes
No perfil etário da população com autismo em Caxias do Sul, se evidencia o diagnóstico em crianças de zero a nove anos.
A categoria reúne 1.290 pessoas, 23,7% do total, conforme o IBGE. Na sequência, vêm as faixas de 10 a 19 anos e de 60 anos ou mais.
- 0 a 9 anos: 1.290 pessoas (23,7%)
- 10 a 19 anos: 865 pessoas (15,9%)
- 20 a 29 anos: 765 pessoas (14%)
- 30 a 39 anos: 598 pessoas (11%)
- 40 a 49 anos: 540 pessoas (9,9%)
- 50 a 59 anos: 515 pessoas (9,4%)
- 60 anos ou mais: 854 pessoas (15,7%)
No quesito estudantes com seis anos ou mais, 1.363 indivíduos dentro do espectro foram identificados. Ao todo, são 97.577 em Caxias do Sul.
A taxa de escolarização (quem está estudando) é semelhante, na comparação da população geral com o público com TEA, para a faixa etária dos seis aos 14 anos, que está situada entre a creche e o Ensino Fundamental.
Taxa de escolarização seis anos ou mais geral
- 6 a 14 anos: 98,2%
- 15 a 17 anos: 87,6%
- 18 a 24 anos: 30,3%
- 25 anos ou mais: 6,9%
Taxa de escolarização seis anos ou mais com TEA
- 6 a 14 anos: 95,9%
- 15 a 17 anos: 64,4%
- 18 a 24 anos: 22,9%
- 25 anos ou mais: 5,8%
O Censo ainda elenca pessoas com autismo, de 25 anos ou mais, em relação ao nível de instrução. De um total de 2.889 indivíduos nesta categoria, 1.143 (39,5%) não possuem instrução ou não completaram o Ensino Fundamental.
Pessoas de 25 anos ou mais pelo nível de instrução
Total, em Caxias: 323.686 pessoas
- Sem instrução e fundamental incompleto: 80.642 pessoas;
- Fundamental completo e médio incompleto: 54.419 pessoas;
- Médio completo e superior incompleto: 115.378 pessoas;
- Superior completo: 73.246 pessoas.
Pessoas de 25 anos ou mais com autismo pelo nível de instrução
Total: 2.889 (0,9%)
- Sem instrução e fundamental incompleto: 1.143 pessoas (39,5%);
- Fundamental completo e médio incompleto: 383 pessoas (13,2%);
- Médio completo e superior incompleto: 742 pessoas (25,6%);
- Superior completo: 622 pessoas (21,5%).
Fonte: IBGE
Onde buscar atendimento
O governo do Estado desenvolveu um de mapeamento da rede de serviços do Programa TEAcolhe. No link, os cidadãos podem buscar a localização dos serviços de referência de todos os 497 municípios do Estado, conectando usuários, famílias e profissionais das redes aos centros disponíveis no território gaúcho.
O foi desenvolvido pelo Geoportal da Infraestrutura Estadual de Dados Espaciais (Iede), em parceria entre a Secretaria da Saúde (SES) e a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), responsável pela plataforma de compartilhamento de dados geoespaciais, serviços e aplicações do Rio Grande do Sul.
Programa TEAcolhe na Serra
O Programa TEAcolhe, iniciativa voltada para o cuidado integral às pessoas com transtorno do espectro autista, busca garantir e promover o atendimento às necessidades específicas das pessoas com a condição. Sua estrutura possui três modalidades de serviços. Na Serra há 10 espaços que atendem as demais cidades da região:
- 1 Centro Macrorregional de Referência (CMR), que funciona na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Gramado. Não é prestado atendimento ao público, mas, sim, às equipes de saúde. Também é feito o gerenciamento das demais unidades do programa na Serra.
- 4 Centros Regionais de Referência (CRR), em Caxias do Sul, Vacaria, Paraí e Feliz. Cada um atende diversas cidades da região e oferece o e para as equipes da atenção básica nas discussões de caso, avaliação e encaminhamento.
- 5 Centros de Atendimento em Saúde (CAS), em Caxias do Sul, Vacaria, Bento Gonçalves, Nova Prata e Feliz. Esses são espaços que fazem o atendimento direto para os usuários com uma equipe multiprofissional.
O encaminhamento ocorre por meio da atenção básica de saúde.
Como consultar o
- e o site pelo link: Programa de Atendimento a Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEAcolhe).
- Clique em "".
- Pesquise o nome do município.
- A estrutura do programa possui três modalidades de serviços: Centros Macrorregionais de Referência (CMR), Centros Regionais de Referência (CRR) e Centros de Atendimento em Saúde (CAS). A descrição de cada um está disponível na página inicial do a partir do nome do município selecionado. No espaço, também está destacado a cidade referência com endereço e telefone para contato.